No sábado minha filha novamente
me encheu de felicidade. Do nada pediu:
-Papai, me leva no Planetário
amanhã?
-Lógico, minha Nenenzita.
Tenho o péssimo habito de infantilizar
nossas conversas. Ela não gosta, mas eu não me contenho.
-Promete?
- Prometo.
Dessa forma após acordar no
domingo a família inteira sai rumo a Gávea. O plano seria ir até a feira de
antiguidades na Praça do Jóquei, almoçar por ali mesmo e depois ir rumo ao
planetário.
A feira de Antiguidades da Gávea
sempre traz algumas novidades. Eu sei que isto soa como uma antítese. Mas é verdade. Em uma
visita anterior a mesma eu comprei meu Zenith 20X50 que se encontra como novo.
Até mesmo sua caixa não apresenta nenhum arranhão. Ou não apresentava. Em
minhas mãos ela tem sofrido um pouco mais sendo utilizada para transportar
qualquer um dos meus 50 mm quando viajo.
Desta vez, logo em uma das
primeiras barracas, eu me deparo com uma pequena joia. Um La Scala 2,5X30mm. Um
minúsculo binóculo de opera. Em rápida inspeção reparo que ele se encontra em
excelente estado e ainda possui sua capa de couro original. Os LaScala são uma
marca tradicional de binóculos de opera. São peças muito elegantes e a marca é antiga. A LaScala Optics esta instalada no
Brooklyn em Nova York e muito de seus pequenos binóculos são feitos a mão. E
não made in china. Escrevi um E mail para a companhia para obter mais detalhes
sobre este modelo e etc. Assim que receber e se receber algum feedback deles
acrescentarei aqui... Em um primeiro momento diria que ele deve ser uma peça de
mais de 15 anos. Especialmente pela capa
que o protege e seu interior. Boa qualidade. Desconfio que o pequeno binoiculo seja de uma
serie destinada a Ornitologos.
Fico todo feliz com minha
aquisição para a coleção. E depois de barganhar um pouco levo aquela belezinha
por R$50,00. Reparem na comparação da jóia ao lado de um 10X50 e de um 15x70...
Desta forma estou pronto para
realizar uma avaliação mais precisa de um livro que pode ser considerado um dos
maiores clássicos da astronomia amadora de todos os tempos. E que eu aguardava um incentivo para ler
“Astronomy with an Opera Glass”
foi escrito por Garrett Putnam Serviss (Março
24, 1851–Maio 25, 1929).
Garret foi uma espécie de |Carl Sagan do século XIX. Foi talvez um dos maiores
responsáveis pela popularização da astronomia e um grande divulgador da
ciência.
Nascido em Nova York ele se
formou em Ciências em Cornell e posteriormente se graduou em Direito pela
Universidade de Columbia. Jamais exerceu a profissão de advogado. Em vez disto,
em 1876, se juntou ao staff “The New York Sun” e trabalhou como jornalista até
1892. Serviss mostrou um grande talento para explicar detalhes científicos para
o publico leigo. Isto levou Andrew Carnegie (um dos maiores filantropos de sua
época) a convida-lo para ministrar as “The Urânia Lectures” em cosmologia,
Astronomia e geologia e matérias afins em 1894. Com o suporte financeiro de
Carnegie (que era também um grande industrial do ramo do aço) estas leituras
apresentavam uma grande novidade na época e era ilustrada por slides usando a
chamada “Lanterna Mágica”- Uma espécie de mãe do cinema- que mostrava paisagens
lunares (imaginarias) e eclipses. Serviss passou dois anos viajando pelos
Estados unidos e apresentando as tais leituras. Depois retornou a Nova York
onde se tornou um palestrante conceituado e passou a escrever para diversos
jornais e revistas. Seu assunto favorito sempre foi à astronomia.
Em 1888 (ano da Lei Áurea...) ele
lançou seu primeiro livro. O já citado" Astronomy with an Opera Glass “-
Astronomia com um Binóculo de Opera- um dos primeiros sucessos editoriais devotado
exclusivamente a uma ciência.
Consegui um exemplar “on line” de
uma cópia de 1890. Já se trata da 3ª edição. Isto demonstra claramente seu
sucesso. Este exemplar foi digitalizado
de um livro que reside na biblioteca da Universidade de Toronto
Armado de meu “novo" binóculo me
preparo para descobrir os segredos revelados por Serviss e que devem ter feito
a delicia desses pioneiros astrônomos amadores do final do sec. XIX.
O livro (em formato PDF) tem 170
paginas. E pode ser baixado aqui: http://ia600305.us.archive.org/10/items/astronomywithope00servuoft/astronomywithope00servuoft.pdf. Trata-se
de uma obra de domínio publico.
Serviss é um excelente escritor e
o livro se inicia com uma belíssima introdução onde ele destaca a popularização
da astronomia amadora e da disponibilidade de equipamentos os mais variados
para o amador. Parece que a coisa lá em 1888 era melhor que por aqui hoje em
dia...
Mas ele também fala da ignorância
do cidadão médio a respeito de fenômenos astronômicos. E conta histórias como a do planeta Venus sendo
confundido com a tocha da Estatua da Liberdade por um grupo de transeuntes que
se encontra atravessando a ponte do
mesmo Brooklin onde foi feito meu pequeno binóculo. Outra mais interessante
ainda é o mesmo Venus sendo agora confundido um balão iluminado por uma
“novidade” chamada lâmpada e que teria sido feito por Thomas Edison em pessoa.
Fala ainda em espectroscopia e
outras maravilhas da sua época.
O Livro se revela uma deliciosa
viagem ao passado e ao mesmo tempo a modernidade.
Finalmente ele chega aos
binóculos de opera e fala em temas como lentes acromáticas. E de como os “atuais”
binóculos de opera superavam em muito as qualidades óticas das lunetas de
Galileo e que estas nada mais eram que um aparelho que senão totalmente, muito parecido aos “Opera glasses”.
É delicioso ver ele discorrer sobre binóculos de forma muito
semelhante a como astrônomos atuais o fazem. Nada mudou...
Depois, em um formato que todos
os guias observacionais (ou quase todos) continuam a fazer, ele escreve sobre o
céu e as maravilhas que podem ser observadas em cada estação. Ele começa pela
Primavera.
Eu vou pular esta parte posto que
o cavalheiro escreve para os boreais. E assim a primavera que ocorre por aqui
agora não é a mesma que ele canta por lá. Vamos direto para o outono e ver o
que o pequeno “Opera Glass” da feirinha será capaz de fazer e se ele é capaz de
acompanhar Serviss e os amadores do final do Sec. XIX.
Como podemos perceber pelo mapa
exposto abaixo, Serviss imaginava que seus leitores jamais se encontrariam
abaixo da linha do equador. Afinal as estrela mais comuns a observadores
austrais no período de outono não comparecem a pesagem... Na verdade das
estrelas mais brilhantes que habitam o horizonte sul ele só destaca Fomalhaut.
Achernar não é sequer citado no capitulo. E logicamente as nuvens de Magalhães
não fazem parte desta história.
Como não poderia deixar de ser
ele inicia pela corte da Etiópia que domina o céu boreal esta época do ano e é
falando de Andrômeda que eu vou avaliar o pequeno e belo La Scala.
![]() |
céu no Rio de Janeiro em 1 de set 1888... Perceberam a diferança? |
Neste momento faço uma pausa
antes do teste do pequeno binóculo para ressaltar quão precioso é o livro de
Serviss.
Como não poderia deixar de ser
ele nos conta a história de como Andrômeda é dada em sacrifício para salvar o
Reino de seu pai Cepheu posto em perigo por sua mão fanfarrona Cassiopéia.
Lógico que ele não faz como no
Nuncius Australis.
Ele apresenta à belíssima e fiel
tradução feita por E. Poste de como Aratus viu a situação 200 anos antes de Cristo.
De volta aos mortais e a galáxia
de Andrômeda Serviss diz:
“A busca por objetos pitorescos
em Andrômeda começa por Alpheratz (Alpha And)... Agora siga a linha até a
estrela Nu. Se seu binóculo possui um campo bem grande seus olhos irão imediatamente
perceber o brilho da grande nebulosa de Andrômeda no mesmo campo que a estrela.
Esta é a mais antiga ou a primeira nebulae
descoberta e com a exceção da Nebulosa de Orion a mais visível deste
Hemisfério. È claro que não se pode esperar muita coisa de um binóculo de
opera”.
Neste instante me encho de
alegria. Evidentemente que a nebulosa de Andrômeda (hoje em dia chamada de Galáxia)
é muito mais visível de Nova York de 1888 que do Rio de Janeiro em 2012. Mas o
pequeno LaScala faz bonito e consigo perceber, ainda que somente com periférica, a pequena mancha cinzenta dentro do meu campo. E de novo e de novo...
Ele se mostra a altura da tarefa
e isto me basta. É possível praticar astronomia com o pequeno binóculo. E é
lógico que 30 mm veem mais que 5. Minhas pupilas, que já passaram dos 40, não
se dilatam mais que isto. E 2,5 são muito mais que 1. Já falei disto aqui no
Nuncius Australis.
Serviss escreveu seu livro muito antes de
sabermos de fato a real natureza de Andrômeda e ele não discorre sobre
cosmologia neste momento. Mas ele o faz falando em M13 em outro capitulo e
demonstra entender a natureza do globular de forma bem precisa.
O livro é uma delicia de se ler e
é uma enorme lição de astronomia observacional, E de história. Um clássico
imperdível para quem realmente gosta de astronomia.
Os DSO descritos são todos fáceis
de se observar e o autor descreve muitas estrela duplas fáceis e estrelas
individuais de belo colorido. Uma outra característica curiosa é como ele se
refere aos objetos do catalogo Messier . Ao
contrario. Em vez do já habitual M 311 ou M30
ele usa 30 M e 31 M. Muitos asterismos são descritos e todos muito
charmosos. O livro é realmente um achado para iniciantes e donos de
equipamentos modestos.
Serviss escreveu vários outros
livros devotados a astronomia amadora e foi um dos mais populares escritores de astronomia de todos os tempos. Foi também um autor seminal em Sci-Fi e um
dos fundadores do gênero.
Você poderá encontrar outros de
seu livros (bem como de diversos autores
clássicos) aqui:
São todos de domínio publico...
E o meu pequeno “Opera
Glass” se revelou a altura de
Serviss . E formou uma bela dupla com a "Luneta de Lacaille" na estante da sala.
P.S Chegou a resposta da LaScala Optics. Surprendente...
P.S Chegou a resposta da LaScala Optics. Surprendente...
De: "LaScala Optics" <info@lascalaoptics.com>
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Parabéns Nuncius, uma delícia ler os seus textos!!!
ResponderExcluirAbraço,
Rodrigo Camargo de Andrade Pinto
Obrigado Rodrigo. É sempre bom contar com o apoio dos leitores . E assim posso ir corrigindo as minhas bobagens tb. Toda vez que releio um texto acho algum erro. E desta forma me faço meu revisor.. Obrigado .
ExcluirThis is cool!
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