Ngc 5460 é um aglomerado aberto
exemplar. Serve como exemplo. Exemplo de como a astronomia amadora é uma forma
de paixão. Na escala dos amores a paixão é um representante quase doentio. É o
amor de Moria.
Um
membro dos objetos de céu profundo que só será conhecido por aqueles tomados de
um prazer quase obsessivo (quase é para parecer que ainda há alguma sanidade
nesta busca).
Mas
existe um consolo. Descobri que além de mim outros já foram até lá e acharam
este digno de nota.
Observo
sempre sem companhia. Mesmo que cercado de outras pessoas (no mais das vezes).
E nenhum deles acharia tão fascinante este modesto ajuntamento de estrelas em
formato bem delicado. Na verdade, adjetivos como delicado, colorido, charmoso e
etc... não seriam sequer imaginados por um curioso.
Em
geral quando convido alguém, que não é do ramo, a olhar pela ocular este poderá
se encantar com Saturno, Júpiter, a Lua e quiçá as Plêiades. Mas depois do
segundo ou terceiro DSO o camarada perde o interesse. Isto quando realmente vê
alguma coisa. O leigo olha, mas não observa. E telescópio não é binoculo.
Demanda tempo para se aprender a perceber algo. DSO´s que demanda visão
periférica, técnicas de respiração e esforço não são para qualquer um. Os
americanos têm uma expressão que nunca consegui traduzir de forma apropriada, mas
que descreve bem a situação. “Deep Sky die-hard”.
Felizmente
ao longo da história sempre houveram aqueles que levaram isto mais a sério e de
forma não só compulsiva como sistemática.
E assim se chegou até Ngc 5460.
James
Dunlop é alguém que me acalma. Ao observar sua obra percebo que mantenho meu
amadorismo dentro das baias da sensatez. Este inglês foi baixar na Austrália no
século XIX como um “handyman” (faz tudo) de um nobre que era o chefão da
astronomia lá por aquelas bandas. Haviam dois deles. Ele mesmo (o nobre inglês)
e um astrônomo de relativo renome alemão. Acabaram brigando e Dunlop acabou
fazendo (por um período) o trabalho que seria dos dois. Depois o alemão volta
por cima da carne seca e Dunlop acaba com um observatório de fundo de quintal e
com um telescópio feito por ele mesmo. Sem montagem equatorial e com um tubo
pendurado em uma arvore. Podia observar os objetos durante sua passagem pelo
meridiano (o melhor momento) ou um pouco para oeste ou para leste. Reza a lenda
e a ótica que seu telescópio tinha um poder de fogo semelhante ao do “Newton” (meu
Skywatcher 150 mm f8). Lógico que os céus eram bem mais escuros dos que costumo
observar e ele bem mais “Caxias” do que eu...
De
volta a minha obsessão eu observo quando posso, de onde posso e em qualquer
condição de céu. Durante muito tempo ouvi certos dogmas observacionais.
-
Tu não observarás nada da cidade grande.
-
Tu não observarás na lua cheia
-
Tu deverás ir a um clube de astronomia.
-
Tu gastarás rios de dinheiro para fotografar os céus.
-
Etc...
Como
tenho horror a dogmas e nunca quis ser escoteiro fiz disto tudo uma grande bobagem.
É verdade que observarás mais e mais rápido se ouvir estes conselhos, mas
talvez não observes nada... Quanto a
gastar um mar de dinheiro para fotografar os céus é bom lembrar que todo o
catalogo Ngc foi fruto da observação visual. E é possível fotografar (boa parte
dele) sem abrir falência. Embora o custo Brasil seja ridiculamente alto. E que
nem só de DSO´s viva a astrofotografia.
Visitei
o aglomerado como parte da segunda parte de meu projeto “O Sul Profundo”. Neste
quero apresentar os levantamentos de Lacaille (Já realizado e disponível na
Amazon no link: https://www.amazon.com.br/dp/B0778XNDNM/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1510189139&sr=8-1&keywords=O+Sul+Profundo)
, Os “100 de Dunlop” (os 100 objetos mais interessantes de Dunlop) e
posteriormente um apanhado sobre as descobertas de John Herschel.
Como
parece ser evidente o primeiro a colocar os olhos em Ngc 5460 foi Dunlop. É a
entrada de numero 431 de seu catalogo (D 431). Foi observada na noite de 7 de
maio de 1826.
“Uma
curiosa curva de pequenas estrelas, de quase igual magnitude, duas estrelas de
7a magnitude ao leste.”
A
estrela dupla “ao centro do aglomerado é um de seus traços mais marcantes e
cantada em verso e prosa. John Herschel é o próximo a conhecer a peça. Este as cataloga como h 3555. Este nos diz o seguinte
em sua observação do aglomerado;
“Uma região de grandes e
brilhantes estrelas de 8,9 e etc... magnitude. Um aglomerado bem disperso.
Colocadas estas em um grupo brilhante, um dos quais uma estrela dupla da classe
III. (h 3555)”.
Pela
descrição podemos perceber que o telescópio de Herschel (irmão gêmeo do que seu
pai usou para descobrir Urano) era muito mais poderoso do que o de Dunlop e que
o “Newton”.
Observei
Ngc 5460 em condições extremas. Casa cheia, todas as luzes acesas, as beiras de uma crise conjugal e na lua
cheia. Não o percebi pela buscadora e para diferencia-lo de um campo estelar em meio ao campo
com minha ocular de 40 mm foi um belo exercício. Com a 25mm ele começa a ser um
aglomerado e com a 17mm o é.
Na
verdade, fiquei surpreso de não ser mais conhecido. É um delicado, colorido e
charmoso aglomerado. Não é à toa que foi incluído por O´Meara em seu “Southern Gems”.
Fiquei um pouco triste por achar que ninguém o tivesse o incluído em uma lista
observacional e que assim ele se qualificasse também para o “Projeto Tudo que
Existe”. Este foi remodelado e agora inclui apenas DSO´s que não pertençam a
nenhuma lista observacional moderna (anteriormente era a impensável ideia de
fotografar todo o catalogo Ngc...). Basicamente inclui objetos que tenham
escapado do mais obsessivo que eu James O´Meara e sua série “Deep Sky
Companions”. Apesar de parecer improvável existem vários objetos dignos de nota
e ao alcance de telescópios “populares” que escaparam dele. Especialmente ao sul
do equador celeste. Ao apresentar Ngc 5460 no DSO Browser só existem três
fotos. Duas são minhas e a outra é do Projeto NGC /IC. Pouco visitado mesmo...
Uma tremenda injustiça.
Ngc
5460 é um aglomerado aberto de idade intermediaria (158 milhões de anos)
localizado em Centauro. Não muito distante de Omega Centauro. Cheguei até ele
pior acaso. Em noite de lua cheia e querendo visitar alguma novidade o achei no
Stellarium e me pareceu factível em noite que tudo estava lavado e quase invisível.
Mesmo M 35 era quase nada...
A
descrição do Stellarium é um pouco “exagerada”. Ele fala em forte aglomeração
central, grande faixa de luminosidade dos membros do aglomerado e aglomerado
moderadamente rico com 50 a 100 estrelas. É tudo mentira. A descrição de Dunlop
é para mim perfeita. E a estrela central de Herschel é a cereja do bolo.
Com
o “go-to” do telescópio um pouco errante e a lua cheia localiza-lo foi um pouco
mais difícil que imaginava. A grande “cola” é dar uma namorada no Stellarium e
localizar Zeta Centaurus. Ou Alnair ou ainda Baten Centaurus. São todas a mesma
pessoa. Ela será percebida na buscadora sem o uso de tortura ou a convocação do
Bolsonaro.
O
aglomerado em si apresenta três grupos que se destacam do resto da paisagem e
dão seu caráter aberto de forma bem evidente. A dupla central é muito legal. Esta
compõe com mais cinco estrelas a parte mais central deste com algumas parentes
um pouco mais afastadas (talvez por isto a ‘forte aglomeração central” descrita
no Stellarium.), um triangulo de estrelas de magnitude semelhante a noroeste e
uma estrutura trapezoidal com outras 4 estrelas (incrível.Um trapézio formado por 4 estrelas. Queria ver só com 3...) ao sul da curva que
caracteriza a obra.
As
fotos aqui apresentadas foram empilhadas no Deep Sky Stacker (uma com 2X
drizzle e outra com os frames completos) e “reveladas” com o auxilio do Fitswork para a remoção do gradiente de fundo com posterior visita ao Photoshop.
Costumo usar uma rotina no Photoshop para destacar as estrelas. Mas foi
necessário algum ajuste para neste processo não “emendar” a dupla tão
característica no centro do aglomerado. Como sou um astro fotografo “purista” (e que não gosta do dogma “dinheiro”)
busco evitar muito processamento. (Purista ou preguiçoso?)
Olhando
para o desenho do O´Meara acho que fui bem honesto na composição. Gostaria de
ter o talento para desenhar os DSO´s que observo. Assim poderia ser fiel ao que
observo. Mas sou uma negação para o desenho e mesmo minha letra é pior que a de
médico. Com o advento do computador me tornei praticamente um analfabeto a mão
livre...
Ngc
5460 é uma das joias menos conhecidas da coroa austral. Vale a pena a visita.
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