O verão se aproxima e
com ele Orion vem dominar os céus pelos próximos meses. Constelação chamativa
que é possui referência em quase todas as culturas e conta muitas lendas. A
lenda grega é bastante conhecida, mas para garantir, vou apresentar um curto resumo.
“ Orion é o filho de Hyrieus. Este um fazendeiro
que apesar de sua pobreza sempre era amigável com estranhos e os ajudava no
hostil e vazio ambiente que habitava próximo a Tebas. Certa vez auxiliou três
caminhantes pouco usuais. Estes eram Zeus, Netuno e Hermes que andavam incógnitos
pela região. Em retribuição a sua simpatia e gentileza eles deram um único desejo
a Hyrieus. Ele pediu por um filho. Assim nasceu Orion e com a benção de seus poderosos
padrinhos cresceu e tornou-se um poderoso e carniceiro caçador. Isto acabou por enfurecer
Artêmis que manda um Escorpião (que andará sumido dos céus durante o verão)
mata-lo. Ferido e a beira da morte ele é curado por Ophiucus. Sua "quase morte" o
faz mais sensível aos animais que costumava caçar pelo simples prazer de matar.
Posteriormente o arrependido Orion e seu quase algoz Escorpião são colocados no
céu por Zeus. ”
Mas para nossa história a lenda mais significativa e que
apresenta uma daquelas coincidências que sempre encantam o Nuncius Australis
vem da ponta norte da Austrália. Mais precisamente da Terra de Arnhem. Os aborígenes
que ali habitam (ou habitavam...) falam de três famosos pescadores que
pertenciam a uma tribo que possuía com seu totem o “Kingfish”. (O Kingfish da
lenda é muito provavelmente um representante da família Carangídea. A savelha do Pacifico Sul, Seriola grandis. Seu primo mais próximo no Atlântico Sul é a Cavala).
Nossos três heróis estavam já a vários dias no mar e
somente conseguiam capturar Kingfishes, os quais eram um tabu e que não
poderiam comer. Encontravam-se em um terrível dilema pois as crianças da tribo
estavam famintas e se eles não trouxessem algum peixe de volta da pescaria a
situação se tornaria desesperadora. Como
a sharia não havia sido ainda
inventada eles simplesmente quebraram o tabu e comeram o Kingfish. Depois saíram
para pescar novamente e novamente a safra foi quase exclusivamente de Kingfishes.
Mas desta vez, em seu retorno, as nuvens, o mar e o vento conjuraram uma
tremenda tromba d´agua que de tão forte os levou para o céu. Hoje
eles podem ser vistos em suas canoas como três estrelas no cinturão de Orion. Nós
a chamamos de “Três Marias”. É aí que as coisas começam a ficar interessantes. Seus
nomes eram (em “aboriginês”) Alinta, Alira e Makinti.
A primeira coincidência é sua semelhança (ainda que
apenas sonora) com os nomes árabes que hoje carregam as estrelas do cinturão de
Orion. Alnitak, Alnilam e Mintaka. Mas que isto tenha alguma relação com aquilo
é pouco provavel. Ou melhor - Não ha nenhuma chance!
A segunda coincidência a me chamar a atenção é o
significado dos nomes. Ainda que nomes próprios a tradução dos mesmos é bem
significativa. Makinti tem seu significado e origem desconhecidos. Alira é como
os mesmos aborígenes se referem a “cristal de quartzo”. E o mais interessante e
sugestivo é que Alinta significa “a chama”.
É aí que a coisa realmente se torna sugestiva e quase astronômica.
Alinta é a estrela mais ao leste do cinturão. E na lenda se fala de uma região
nebulosa no céu “pendurada” em sua canoa. Em um análise fria e calculista
provavelmente devem se referir a M 42, a grande nebulosa de Orion. Mas muito
mais próxima de Alinta encontra-se Ngc 2024. A Nebulosa da Chama...
Pode parecer pouco provável que os aborígenes tenham
conseguido perceber Ngc 2024 a olho nu. Mas a ponta norte da Austrália em
tempos quase pré-históricos era um lugar bem escuro. E há registros bem mais
recentes sobre amadores com visão biônica que já perceberam muitas das
estruturas que compõe a nuvem molecular de Orion a olho nu. Walter Houston (autor
durante anos da coluna “Deep Sky Wonders” na prestigiosa revista Sky and Telescope)
já percebeu o Loop de Barnard na integra assim. Mas contava com o auxílio de
um filtro de banda estreita (creio que OIII).
Como disse o poeta: - Há mais coisas entre o céu e a terra,
Horácio, que supõe nossa vã filosofia.
Ngc 2024 é uma descoberta do maior astrônomo visual de
todos os tempos, William Herschel. Ele registrou-a na noite de primeiro de
janeiro de 1786.
“Marcante espaço negro envolto em nebulosidade leitosa,
dividido em 3 ou 4 fragmentos. Não tem menos de ½ graus mas suponho que seja
muito mais extensa. ”
Ngc 2024 é a entrada de número 34 do “Deep Sky
Companions: The Hidden Treasures” de O´Meara. Ela serve de protótipo para a
proposta do livro. Apesar de não incluir objetos impossíveis todos os objetos
nesta lista se encontram escondidos devido a presença de outros objetos muito
próximos que roubam a cena. Ngc 2024 carrega duas cruzes em suas costas.
Alnitak (ou Alnira) é uma estrela de 2 magnitude a apenas 15´da mesma. Ao lado
da brilhante estrela seu pálido brilho pode ser tomado como um reflexo ótico da
estrela. Daí nasce mais um de seus muito apelidos: “O fantasma de Alnitak”. Fosse
ela um pouco mais distante e esta seria muito facilmente percebida e uma versão
um pouco mais tímida de M42. Não bastasse isto nos arredores de Alnitak (ela
mesma uma interessante estrela tripla) habita uma da mais famosas e menos
observadas nebulosas escuras que se conhece. B33, A Nebulosa da Cabeça de Cavalo.
![]() |
O Conjunto da Obra. |
Localiza Ngc 2024 é uma tarefa bem fácil. Localize Alnitak,
a estrela mais a leste das Três Marias e você estará lá. Agora para percebe-la
claramente a sua luta será abafar o brilho de Alnitak. Uma técnica interessante
é utilizando uma ocular de campo grande (a nebulosa cobre uma área igual à da
lua cheia.) usar um pequeno anteparo de cartolina preta para “tampar” a visão
da brilhante estrela. Em locais de céu escuro ela será facilmente perceptível com
um binoculo de 15X50 ou mesmo menor. Mas será discreta devido à dificuldade de
separa-la do brilho de Alnitak em tais aparelhos. Com o Newton (um refletor de
150 mm f8) com 60X ela comparece facilmente com visão periférica e olhos bem
adaptados. Com paciência e perseverança começarão a aparecer detalhes como as
faixas escuras recortando sua superfície.
É um alvo fotográfico relativamente fácil e ainda que de
forma discreta comparece com exposições relativamente curtas e se usando lente
de até 100 mm é possível registral mesmo sem acompanhamento. Em fotos mais
elaboradas ela fará conjunto com sua algoz, A cabeça de Cavalo. As fotos aqui apresentadas foram realizadas com uma Lente zoom 70-350 @ 70 mm. Posteriormente foi realizado um processo de Drizzle no DSS. São fruto de varias dezenas de exposições de 30 e 50 segundos com uma Canon T3 montada sobre uma cabeça equatorial HEQ 5 pro.
Ngc 2024 possui vários apelidos: A Nebulosa da Chama, “Burning
Bush Nebula", O Fantasma de Alnitak, A Nebulosa do Lábios...
Gostaria de acrescentar mais um. A Nebulosa Kingfish.
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