Depois de algum tempo sem me
dedicar a nobre arte da observação astronômica (com a exceção de alguns rápidos
passeios binoculares) estava de volta a carga e à meu velho conhecido : o céu mais escuro da Armação dos Buzios.
Desta vez com um projeto novo.
Como iria com toda a família e com o veiculo abarrotado decidi ressuscitar meu
bom e velho refrator : Galileo.
Mas com novos trejeitos.
Minha ideia parecia muito boa.
Levo o meu velho Celestron 70 mm, mas levo também a montagem EQ-3. Com o
pequeno telescópio ela vai ser mais estável que um Kart.
Eu que aprendi a observar naquele
modesto telescópio galileano em uma montagem que tremia mais que bambu verde em
noite de temporal realmente achei que houve uma grande melhora. E outra grande
vantagem é que o peso do conjunto realmente se tornou muito menor. O telescópio
é muito mais leve e maleável que o “Newton” (150 mm) e a necessidade de
contrapeso também se torna menor.
E apesar das controvérsias que meu argumento
possa causar um quilo de chumbo a menos é muito peso a menos. E foi mais de um
kilo a menos...
O dove tail mais barato do mundo |
Montar o velho Galileu na “nova”
montagem foi bem simples. Um projeto que apesar de um pouco tosco revelou-se extremamente
funcional e, sobretudo (mantendo a tradição) bem barato. Uma rápida
visita a madeireira próxima a casa, uma passagem na vidraçaria, um pouco de
simpatia e um rolo de gaffer tape e pronto. Uma sobra de esquadria de alumínio
e um pedaço de sarrafo de madeira e eis pronto o Dove Tail mais barato do
mundo. Custo Zero.
Tá lá o telescópio sentado na
EQ-3.
Como sempre gosto de recordar a presença de outros humanos me atrapalha(uns mais e outros menos) barbaramente na observação. Pessoas sempre querem luzes acesas e afins. E eu, do contra, não.
Agora em uma casa cheia e com uma
moqueca sendo preparada pela cunhada começamos a “astronomia de guerrilha”.
Luzes acesas em todas as direções e pessoa passando para lá e para cá e eu
tentando apresentar alguma coisa para “o mais interessado”. Um sobrinho de 13
anos de minha cunhada estava disposto a ver Saturno.
Em um voo as cegas, onde até
mesmo para se perceber a cruzeta da buscadora era necessário se fantasiar de
lambe-lambe, eu consigo alinhar e
colocar o Senhor dos Anéis na ocular.
É infalível. Forma-se fila e todos visitam o
planeta. " Uau!!!" pra lá e pra cá...
Com o som rolando AC/DC no ultimo
furo eu continuo fazendo meu tradicional tour de Ouvido (sem cartas, Stellarium
e afins.) Numa rápida sucessão apresento os clássicos da guerrilha. Caixa de Joias,
M7 e M6. Ainda de ouvido apresento os aglomerados próximos a Zeta Scorpio (Ngc
6231, 6232 e outras entradas mais obscuras do New General Catalog...). São clássicos
eternos que vou visitar para sempre. Assim como o som que vai nas pick ups. Se
sucedem Pearl Jam, Aretha Franklin e outro mais. Realmente não parece uma sessão
de observação e assim que a moqueca fica pronta se suspendem os trabalhos.
Depois de cumprir minhas
obrigações paternas e levar as crianças para passear a 10 metros do chão em um
circuito de arvorismo (um esporte que apesar do nome é praticado,no mais das
vezes, sobre cabos de aço ligado por postes...) eu me vejo em condições de
tentar algo um pouco mais elaborado.
O povo todo se animou a ver um
show que aconteceria na praça da cidade e eu e o “mais interessado” damos um perdido
e retornamos para casa. A banda “Casuarina” não entra no hall dos gigantes já
citados dentro de minha humilde e solitária opinião. E Graças a isto consigo
finalmente ter o telescópio montado no quintal dos fundos e a maioria das luzes
da casa apagadas. Os postes da rua são um projeto que venho elaborando há algum
tempo e talvez um dia consiga me livrar de pelo menos um deles...
Como eu não conto nem debaixo de tortura.
No quintal dos fundos agora se
encontram eu, o sobrinho e meu irmão (que tinha dado o perdido antes do
arvorismo) com o telescópio apontado, ainda de ouvido, para M4. O Globular
próximo a Antares se apresenta discreto. Seu formato meio fora de esquadro é
inconfundível. O sobrinho se mostra fascinado com as histórias que conto. Parece
que teremos mais um amador no Maranhão. O fato de ser o segundo (provavelmente)
globular mais próximo da Terra parece ser relevante para o jovem. Junto com
aglomerados abertos, Saturno e algumas duplas o garoto estava fisgado.
Com Sagitário ainda em posição
muito incomoda resolvo fazer uma visita breve ao horizonte norte.
Albireo (ß Cygnus)
é provavelmente a minha dupla favorita. E um alvo fácil para pequeno
refrator. Divide-se facilmente com pequenos aumentos ( hoje 36x) e toda vez eu
percebo colorações levemente diferentes. Hoje ela estava laranja (primaria) e
“quase verde” (secundaria). O calouro ficou boquiaberto. Nunca ouviu (ou viu.)
falar de estrela verde.
Na verdade é possível que não
existam estrelas verdes de fato. E o contraste entre as componentes preguem uma
peça no ingênuo cérebro humano. Mas eu mesmo já vi outras estrelas verdes.
No
ló creo en Brujas. Mas que las hay las hay...
Decidido a testar o seeing e o
meu velho telescópio continuo navegando nas águas do Triangulo de Inverno (Asterismo
formado pelas estrelas Altair, Vega e Deneb) e me dirijo para Vega.
A partir da brilhante estrela se
percebe facilmente a dupla Épsilon Lyra No mesmo campo de buscadora. Já na
ocular tente dividir suas componentes mais uma vez. È um bom teste tanto para o
modesto telescópio como para a estabilidade da atmosfera. Com 90x divido um dos
membros. Mas o outro se recusa. A “Dupla –Dupla “ na se rende tão facilmente .
Meto uma Barlow 2x no conjunto da obra e acredito que em alguns momentos separo
todos os componentes, depois já acho que não, e depois acho que sim de novo...
A estrela épsilon da harpa é
sempre diversão garantida.
Agora chegou a vez de Sagitário.
Ainda tocando de ouvido apresento M8 para meu amiguinho. O Aglomerado aberto é
bem visível. A nebulosa requer um pouco de averted vision. Enquanto tento
explicar a técnica começo aperceber mais e mais nebulosidade na estrutura.
Dali resolvo apresentar um globular
mais impressionante e rapidamente estou em M22.
Este é um globular de outro naipe.
Considero ele parte da trindade dos aglomerados. Junto com Omega centauro e Tuc
30.
O tão cantado M 13 fica no
chinelo. Cheira-me a premio de consolação dos amigos boreais...
O próximo alvo se recusa a sair
de ouvido. E então pego as partituras. Na verdade apenas ligo o computador e traço
uma rota até ele com o auxilio do Stellarium. M69 é uma musica mais difícil.
Primeiro centralize Kaus
Australis (Épsilon Sag), na base do "bule"( é o asterismo que reúne a maior parte das estrelas de
Sagitário ). Com ela no canto de cima da buscadora (sul) você vai perceber
claramente duas estrelas de aproximadamente 5ª magnitude. São HIP 90763 (que
possui um pequeno “nozinho” de estrelas ao sul) e HIP 91014. Centralize em HIP
90763 (a menos brilhante) e vá para a ocular do telescópio. Com a 25 mm eu
encontro M 69 no mesmo campo. O brilho da estrela ofusca um pouco o pequeno
globular, mas ele se apresenta claramente. Com a 10 mm fica ainda mais fácil. É
um globular bem modesto na ocular. Mas a navegação até o mesmo é bem divertida.
Depois de ler a partitura achamos melhor encerrar e aguardar pelo próximo dia
para combater de novo. Espero sinceramente que meus camaradas se encantem com a
musica de novo e que resolvam ver meu querido Jards Macalé que se apresentará
na mesma praça...
Na noite seguinte a observação
praticamente se resume a Lua. Jards Macalé conta com menos fãs do que eu
supunha...
![]() |
Sem Barlow |
![]() |
Com Barlow 2x |
Fico feliz em descobrir que o 70
mm se revela um bom fotografo. Ainda que sem tempo para motorizar a montagem e
muito menos realizar algo parecido com alinhamento polar faço algumas fotos de
Selene. Com e sem barlow. Nas fotos originais se percebem mais detalhes ( evidentemente ...) na foto em que utilizei a barlow . Mas o compressão do Blogger parece que nivelou as coisas. Vai entender... De qualquer forma o Mare Crisium domina a cena flanqueado por Cleomedes , Burk hardt e Geminus ( acima do Mare na foto...) . Abaixo se sobressai Langrenus . Todas belas crateras ao alcance de pequenos telescópios.
Ainda que pressionado para iniciar os trabalhos junto
à churrasqueira consigo fazer um sketch apressado de Ngc 5617 . Trata-se de um discreto aglomerado aberto bem proximo a Alpha Centauro. Recomendo que retire Alpha do campo ocular .
![]() |
ngc 5617 |
Depois de operar churrasqueira e beber algumas garrafas de
vinho a vaca foi pro brejo (ou para a brasa) em definitivo e guardo o telescópio antes que algo
pior aconteça.
Na verdade nem guardo o
telescópio que é encontrado ao sol ao amanhecer.
No domingo resolvo tocar com
partitura. Diversos globulares do catalogo Messier que eu evitava (ou eles a mim...) ha anos demandavam uma aproximação mais conservadora.
Com Partitura ( no caso somente o Stellarium e o Cartes du Ciel que habitam meu HD) parto em busca
destes fantasmas. Apesar do catalogo Messier ser (em tese...) possível com 70
mm nem tudo será exatamente musica popular...
Ainda cedo consigo me reencontrar
com M69. È um alvo “fácil”.
M 70 não tem nada muito brilhante
perto para ajudar no star hop. Assim parto de M 69 em busca de HIP 91386 e
depois de HIP 91713 A. Entre 7ª e 8ª mag não são exatamente faróis na buscadora.
À noite ainda cedo e a luz das vizinhanças não colabora. Mas depois de algum
tempo e com muita hiperventilação, visão periférica e reza forte percebo um
fantasminha na ocular. No limite do pequeno refrator. Mas tava lá. Meu jovem
assistente não consegue resolver, mas creio que lhe falta experiência para algo
tão tênue. Para garantir a paz do espirito
toda a navegação e encontrei o fantasma novamente . E com isto confirmo ao
avistamento.
M 54 é bem tênue, mas com Ascella
bem próxima foi bem mais fácil de ser localizado. O pequeno refrator torna o
desafio bem maior . Começo a sentir falta de uma abertura maior. O elemento
ainda vai relativamente baixo no horizonte e creio que seja mais obvio em
melhor posição.
Nunca fui muito amigo da região do Serpentario celestial. Na verdade três constelações que me parecem ser só uma. Ofiuco ( o encantador) , Serpente ( a cauda) e Serpente ( a cabeça).
Sua posição sempre muito alta é bem incomoda
. Mas com pouca atmosfera no
meu caminho alvos tênues se mostram promissores.
Por fim uma outra possível razão para a antipatia é que sempre que falo Ofiuco tem alguêm que faz associações improprias e joguetes de palavra de gosto duvidoso.
Após estudar a partitura eu parto
( aaaaiii!!!) em busca de M9.
O primeiro movimento consiste em
identificar Sabik ( Eta Ofiuco).
Não conheço muito bem a
constelação e como tenho que dividir meu computador com minha amada esposa faço
visitas de tempos em tempos até a sala da casa para confirmar a navegação.
Depois de me enrolar um pouco misturando Eta
com Fi acabo por me entender em grego e começo a procurar o globular. Este se
encontra a aproximadamente 3º 25´´ a leste de Sabik. Usando a buscadora sequer
desconfio de sua posição.
Por um método de aproximação eu começo a ficar
frustrado .
Não sou muito de utilizar
coordenadas para localizar DSO´s. Mas desta vez uso de um truque bem útil. Com
o auxilio do Stellarium estabeleço que partindo de Sabik e olhando para o
horizonte oeste eu devo deslocar o telescópio 3º para o sul e 2º para leste .
Estes serão movimentos no eixo de RA e declinação. Utilizando a buscadora ( que tem um campo de 5º )eu calculo o salto e
ao olhar na ocular eu não vejo nada . Mas utilizando os ajustes finos e com uma
rápida escaneada o pequeno globular dá enfim o ar de sua graça.
É bem modesto.
Devido a sua posição bem alta no
horizonte ele se apresentou mais claramente que M54 e M70.
M70 é o mais apagado deles
brilhando com magnitude de 8.1. E sem duvida foi o mais assombrado da noite.
Na verdade , acostumado que sou
de visitar os aglomerados ‘grandes” , preciso me lembrar que globulares se ( muitas vezes) apresentam como estrelas que
nunca dão foco. Especialmente em pequenos telescópios . Isto faz deles alvos
bastante elusivos . Especialmente em campos muito ricos. Não é o caso de M 9.
Há Poucas estrelas no campo e são muito tênues . Mesmo com a ocular de 25 mm .Ele
se apresenta com um pouco mais de dignidade com a 17 mm.
Uma história para os calouros: M 9 é uma descoberta original de Messier e e´um dos aglomerados globulares mais próximo do centro galático.
Como brinde , enquanto batia
cabeça atrás de M9, dei de frente com M23. É um pequeno aglomerado aberto
bastante delicado. Ocupado que estava caçando o globular só o observei com a 25
mm.
Mas ele bem que merecia um pouco mais de atenção e magnificação.
Depois de um bom tempo sem
observar fico contente com o revival de meu refrator. Apesar da evidente
limitação o set up é bastante útil e extremamente pratico. Consigo montar tudo
em poucos minutos e a leveza do conjunto torna a vida junto a ocular muito mais
fácil. A coluna lombar agradece.
Apesar da casa cheia foi um fim de semana
bastante proveitoso.
E três Messier
novos são sempre motivo de alegria.
Agora só faltam os difíceis e assim sendo
cada um é um a menos para se completar o clássico catalogo.
Como considerações finais
gostaria de lembrar ( talvez para eu não esquecer...) que um telescópio pequeno
não tem o mesmo poder de fogo que um maior. É berrante a diferença do que que
se vê e do nível de detalhamento obtido. Mas por outro lado você ganha em conforto
e o desafio se torna maior. Para quem gosta da caçada ele são muito legais. E
sua maleabilidade permite observações de DSO´s junto a zênite e também ao meridiano que com
um telescópio maior seriam muito difíceis e até mesmo impossíveis.
Espero agora a oportunidade de
testar o velho Galileo em astrofotografia de uma forma mais comprometida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário