O Telescópio de José Eustaquio.
Dom João estava a se divertir com José Eustaquio. Ele descobriu que o amigo embora um gênio bruto na geometria era um beócio em aritmética. Deliciava-se com truques baratos e com a ignorância do amigo. Como era sempre humilhado durante suas “Jornadas” ele sentia o gosto da revanche.
- Veja José eu sou um mago – brincava ele
Deixe de besteiras. Padre. Tanto eu quanto você sabemos que isso não existe. – Se revoltava o pescador, que mesmo dentro de seu rústico pensar se indignava que um homem instruído como Dom João falasse da matemática como algo mágico. Ele sabia que não tinha mágica nenhuma. Era uma ciência e com ciência não se devia brincar.
Dom João brincava e brincava mais. Para o desespero de José ele ainda tinha a audácia de misturar “pseudo saberes” astrológicos para impressionar os ignorantes. Astrologia era como um palavrão para José. Embora ele chama-se o padre de Alquimista ele Achava que a Astrologia era crime capital. Já a alquimia era a química no seu tempo.
Um dos truques que Eustaquio mais odiava era, evidentemente, o que Dom João mais se utilizava.
Dom João chegava, sempre para uma dama, e falava que era grande astrólogo. Dava consultas para os reis.
- Senhora gostaria de mostrar lhe que sei tudo o que foi e o que será. Diga-me qual foi a ano de seu nascimento. Acredito que a senhora saiba somar. A senhora sabe? Ahhh sabe. Eu sabia. Eu sei tudo- Dom João era um artista- Pois então anote aqui e nem precisa me dizer o Ano de seu nascimento. Agora ainda sem mostrar anote a data do ano do evento mais importante de sua vida. Não me mostre. Assim não precisarei revelar sua idade. Agora escreva no papel e não mostre a ninguém. E por fim a senhora vai escrever quanto tempo faz desde o evento mais importante de sua vida. Muito bem. – fazia uma longa pausa neste momento como que fazendo se concentrando de uma forma extenuante.
- Por favor, agora me diga seu signo. Terei então tudo que preciso. - falava Misterioso e terminava- Agora some os quatro números que anotou e não me diga.
Em geral demorava algum tempo para que as senhoras conseguissem o prodígio de somar números tão grandes como os anos do sec. XVIII.
Ainda deixava-as mais nervosas com comentários como:
-Não errem a conta, pois eu vou saber.
Ao final ele se adiantava e dizia antecipadamente o valor da soma.
José Eustaquio se surpreendia. Ele sempre acertava. E as damas! Estas então ficavam encantadas com seu Rasputin tropical.
Dom João dava seu golpe de misericórdia. Dizia só poder fazer esse truque uma vez por mês que aquilo o consumia.
José, embora não soubesse exatamente a razão começava a desconfiar. Independentemente de entender a aritmética da coisa ele percebera que ele não repetia o truque porque dava sempre o mesmo numero. Ou quase sempre.
Era aí que Eustaquio se perdia. Ele não conhecia os signos do zodíaco. Na verdade aquilo era algo pagão e totalmente fora de seu saber. Dom João conhecia os signos e embora não acreditasse sabia as datas que compreendiam os meses zodiacais. Com isto, ele em sua ultima pergunta. A herética – Qual o seu signo? - Descobria o momento do ano que a vitima nascera. Com isto ele determinava com exatidão um dos dois valores.
As constelações do zodíaco são doze como os meses do ano. Uma curiosa coincidência.
Como será que Dom João fazia o truque.
De qualquer forma as constelações têm muito a ver com o nosso Catalogo Jesse de objetos Estelares. De certa forma se relacionam muito.
As constelações podem ser divididas em grupos. Ou melhor, em famílias.
A primeira delas é associada à Ursa Maior, que é uma das constelações dominantes do céu Boreal, Algo como o Cruzeiro do Sul no céu Austral. São agrupadas nesta família as seguintes constelações:
A Ursa Menor (onde habita a estela Polar)
O dragão, que é uma das poucas, constelações que lembram realmente sua figura
Canes Venatici, os cães de caça, que perseguem o Grande Urso (numa visão moderna).
Coma Berenice, A cabeleira de Berenice, que foi uma rainha Egípcia que prometeu seus cabelos a Afrodite e esta os colocaram no céu.
Corona Borealis, que por sua vez seria a coroa de Ariadne, colocada no céu por Bacchus (Ovídio).
Camelopardalis, a girafa, uma constelação em um local sem muitas estrelas.
Lynx, o Lince.
O Leão Menor
As três ultimas constelações são muito mais recentes e serviram para identificar grupos de estrelas que não se conectavam com nenhuma das constelações antigas.
A segunda família é a das constelações Zodiacais. As que faziam a “mágica” de Dom João. São elas:
-O Capricórnio, parte peixe e parte bode foi colocado no céu por Zeus, em reconhecimento de sua colaboração na luta com os titãs.
Aquário-Há fonte que o associa a Ganimedes servindo vinho a Zeus. (Erastóstenes). Porém a varias outras fontes.
Peixes – Cupido e Venus viajando incógnitos ao Egito.
Áries – o carneiro com pelo de ouro que os argonautas procuravam. Também é o filho de Netuno com Theophane.
Touro – O arquiinimigo de Orion.
Gêmeos- Os gêmeos de Zeus. Castor e Pollux.
Câncer, o caranguejo. Também associado à família de Hercules.
Leão, o rei dos animais.
Virgem – associada ora Deusa da Colheita ora Deusa da justiça
Libra- A balança
Escorpião- Outra constelação que merece seu nome.
Sagitário, O arqueiro. Forma um asterismo que recorda a um bule. Uma área riquíssima no céu. Próximo ao centro da galáxia.
A terceira família é a de Perseu. Basicamente os membros da família real da Etiópia: Cepheus (o rei), Cassiopéia (a rainha), Andrômeda (a princesa), Perseus (o herói da história) Auriga (o carroceiro da história), Cetus (o monstro da história).
Cabe ai duas constelações que não tem importância para a história: Lagarto e Triangulo.
A família de Hercules
Hercules, propriamente dito.
Saggita, a seta.
Aquila, a águia
Lyra, o instrumento.
Cygnus, o cisne. Também conhecido como o Cruzeiro do Norte
Vulpecula, a raposa.
Hydra, a serpente do mar. A maior de todas as constelações.
Sextans, o sextante. Moderna
Crater, a taça.
Ophyucus, o encantador de serpentes.
Serpens, a serpente.
Scutum, o escudo.
Centaurus.
Lupus, o lobo.
Corona Australis
Ara o altar
Triangulum Australis.
Crux, O Cruzeiro do Sul
A família de Orion. Uma família unida. È formada por Orion, o caçador. Seus dois cães: Cão maior e Cão menor. Um Unicórnio. E Hare, a lebre.
A família das águas celestiais. È a família da nossa próxima jornada e uma das favoritas de José Eustaquio.
Delphinus, o golfinho.
Equueleus, o pequenmo cavalo.
Eridanus, o rio que corre entre Beta Orionis e Achernar, alfa de Eridanus.
Pisces Austrinus.
Carina, a quilha do navio
Puppis, a popa.
Vela. Dispensa apresentações .
Pyxis, o compasso.
Columba, a pomba.
A família Bayer
Formada por constelações criadas por Johan Bayer um astrônomo do início do sec. XVII que manteve a tradições e deu nome de criaturas marinhas e animais do hemisfério sul. São todas Austrais.
Hydrus, a cobra d’água.
Dorado, o peixe Dourado.
Volans, o Peixe-Voador.
Apus, A ave do paraíso.
Pavo, o pavão.
Grus, outra ave.
Phoenyx. A fênix.
Tucana, o tucano
Indus, o índio.
Chamaleon
Musca.
E por ultimo a mais importante para nosso Livro. São as constelações nomeadas por Nichola Louis Lacaille. A família Lacaille. Ela quebra a tradição e nomeia todas suas constelações, que preenchem os vazios do céu Austral, com o nome de objetos científicos. Se sua constelações são muito modernas e nem tão conhecidas não importa pois sem isto a nossa história não aconteceria. Lacaille, o próprio, é fundamental para nossa história, de qualquer forma vamos apresentar primeiro as constelações por ele criadas.
Norma, o nível.
Circinus, o compasso.
Telescopium
Microscope.
Sculptor
Fornax, a fornalha
Caellum, cinzel
Horologium, o relógio.
Octans, o oitante.
Mensa, A montanha da Mesa (na Cidade do Cabo).
Recticullum, o reticulo.
Pictor, o pincel
Antlia, a bomba de ar.
Lacaille foi um astrônomo importantíssimo para todos. Porém foi fundamental para o nascimento do Catalogo J.E.S.S. de objetos estelares.
Dom João sempre se impressionava com a qualidade do aparelho telescópico
Que José possuía. Era um belíssimo refrator. Com cerca de meia braça (~= 0,8m) e um diâmetro de cerca de três polegadas, era uma peça que faria inveja em qualquer grande centro. Era um objeto de grande beleza e de fina engenharia. Ele podia perceber que era algo antigo e que ainda assim mantinha seu valor. Ele sempre perguntava como aquilo teria chegado até as mãos de seu amigo. Este sempre desconversava. Dizia que era uma longa história e que isso e que aquilo porém nunca contava. Na verdade nem ele sabia quão longo está essa história.
Nichola Louise de La Caille (Lacaille para a posteridade) nasceu em 15 de março de1713 em um vilarejo com cerca de 400 habitantes na França. Não eram muito ricos. Na verdade seu pai fora bem perdulário. Uma casa nobre nesse tempo não tinha esgotos. Tão pouca água encanada. Lacaille nasceu num buraco. Mas tudo é relativo e em 1713 em Rozoy -em –Thierache a casa deles era ótima. Para sorte de Lacaille nasceram ele e mais quatro irmãos homens e seis irmãs mulheres. Desafiando a lei das probabilidades, sobreviveu Jean Louis e mais três meninas para chegarem à idade adulta. De qualquer forma seu pai, que era uma espécie de inventor os levara a falência com um projeto mal sucedido após o outro.
De qualquer forma Lacaille conseguiu se graduar mestre em Artes e Bacharel em Teologia. Por alguma razão ele se afastou da teologia, e se iniciou a astronomia. Na verdade, embora conhecido como Abbe Lacaille, há controvérsias sobre sua ordenação. O “Abbe” foi nomeado apenas diácono.
Trabalhou posteriormente juntamente com Maraldi e Cassini ( o próprio , o dos anéis de Saturno ) no observatório de Paris. Acabou dando certo como cientista e foi eleito para a Academia de ciências. Posteriormente começou a adquirir os melhores equipamentos óticos que podia. Seu interesse pelos céus austrais ia crescendo. Ele obtivera os textos de Halley que foram a primeira tentativa séria de se mapear o céu austral.
Lacaille finalmente parte para os mares do sul. Seu objetivo é a cidade de Cape Town. No ano de 1750 o Aeroporto Charles de Gaulle era um projeto distante. Então, assim sendo, o Caminho mais curto entre Paris e O cabo da Boa Esperança era uma viagem de cinco meses com uma escala na Iha da Madeira e outra no Rio de Janeiro (que ainda era também um projeto distante). A viagem de Lacaille a cidade do cabo deixou para a humanidade um legado respeitável: ele determinou a posição de 9800 estrela entre o pólo sul e o trópico de Capricórnio ,localizou 42 “estrelas nebulosas” as quais ele descreveu em seu catalogo, obteve posições acuradas de 240 estrelas importantes, extraiu 1930 estrelas visíveis a olho nu para a criação de um planisfério. Delineou ainda 15 constelações das quais 14 estão em uso até hoje. Desmontou a constelação de Argus a decompondo em Carina, Puppis e Vela. Não bastasse ainda tomou varias medidas de posições planetárias para calcular os paralaxes de cada um deles.
Curiosamente segundo todos os registros históricos tudo isso foi feito com equipamentos óticos extremamente minguados para uma expedição de tal monta. Segundo consta todas as Observações de Lacaille foram feitas com lunetas de pequeníssimo diâmetro. Suas objetivas teriam apenas cerca de meia polegada. Isto não condiz com o equipamento considerado de altíssimo nível que Lacaille possuía consigo no observatório do Collége Mazarin.
Isto sempre intrigou a Dom João que conhecera o trabalho de Lacaille. O qual fora anterior a de seu amigo Messier. Em todo caso ele nunca estudara o catalogo a fundo. O que ele não sabia é que o catalogo de Lacaille tinha também as mãos de José Eustaquio.
A viagem de Lacaille se iniciou em 07h00min da manhã do dia 21 de outubro de 1750. Ele embarca no Le Glorieux onde permanece enjoado durante três semanas. Passam pela Ilha da Madeira no começo de Dezembro e chegam ao Rio de Janeiro em 26 de janeiro de 1951.
Anos mais tarde Don João foi visitar seu amigo em seu rancho. Nunca tinha ido até lá. Achava longe. Porém uma grande surpresa o aguardava.
Passou pelo pátio onde crianças brincavam provavelmente os filhos de José. Avistou-o cortando bambus ao fundo do terreno, com os quais pretendia construir um encanamento para que sua mulher pudesse ter água mais próxima ao tanque.
Ao ver o padre ele rapidamente deu uns gritos. As crianças rapidamente desaparecem e sua mulher se põe a fazer um café.
-Caro padre, a que devo uma visita tão ilustre? Vamos entrar e sair do sol.
A casa é muito simples e se sentam em bancos toscos de madeira em volta de uma mesa. A casa é dividida em apenas dois cômodos e possui chão de areia. No centro se encontra o Telescópio de |José. Ao fundo uma espécie de estante. Na estante vários cacarecos. Na ultima prateleira se vê dois livros. Isto chama atenção de Don João.
- Cavalheiro, percebo que possui alguns livros. Quais são?
- É herança de meu pai. Ele os amava. Eu mesmo nunca os li. Como sabe leio mal e não entendo nada da língua que foram escritos.
Dom João se aproxima da estante e pega um deles com muito cuidado. São encadernações antigas e muito frágeis. Ele olha com cuidado e entra em choque. Ele possui em sua mão uma das obras de Halley, o homem que o levou a amar a astronomia.
Ele tinha em suas mãos o grande clássico (como ele disse para José) Sinopses Astronomia Cometicae. O livro em que Halley previu a volta do cometa. Foi buscando por este cometa que ele e Messier iniciaram o grande catalogo de nebulosas.
O Outro livro se revelou ainda mais surpreendente. Era o Principia de Isaac Newton. E mais incrível com um grupo de folhas soltas onde se encontravam as descrições das nebulosas de Halley realizadas em Santa Helena. O livro trazia ainda uma dedicatória. Porém o tempo apagara em nome de quem ele havia sido dedicado. Don João percebia apenas os restos mortais de uma letra que lhe parecia um L.
Intrigado perguntou como estes valiosos textos de profundo saber teriam chegado às mãos de José Eustaquio Pai. Tudo que José lhe disse foi que eles chegaram pelos mesmos meios que o Telescópio.
Já era sabido por Silvano Silva que o telescópio havia sido dado ao pai de José por marinheiros que fugiam de um capitão maluco em meio a uma crise psicótica.
A origem do navio também era sabida. O Rio de janeiro nascera da França Antarctica. Os portugueses só deitaram sobre a terra posteriormente. Com o desenvolver da ocupação vieram os engenhos. O navio trazia açúcar logo...
O Rio era uma capital já de certo tamanha em 1640. Mais precisamente em 1644 foi criado um imposto sobre a pesca da baleia que florescia na baía da Guanabara. O rio era parada obrigatória para quase todas as expedições para o atlântico sul. Mesmo aquela que buscavam o cabo da Boa Esperança. A circulação oceânica obrigava os navios virem até a América do sul para depois seguir por águas mais austrais rumo à África.
Dom João começou a matutar como aquele belo telescópio chegara até as mãos de José. E com suas descobertas ele elaborou uma teoria. Ou pelo menos uma hipótese.
Ele sabia que o levantamento de estrelas que havia resultado no Catalogo elaborado pelo Abbe Lacaille, o qual ele conhecia de seus tempos em paris, e fora publicado juntamente com a primeira parte do catalogo Messier por ele tão conhecido, fora todo realizado utilizando telescópios com objetivas com o diâmetro inferior a 50 mm. Ele achava estranho que um levantamento cientifico desta magnitude tenha sido levado a cabo com equipamentos tão obsoletos. Olhando aquele livro e aquele L na dedicatória ele fez a ligação. Aquele era o telescópio de Lacaille. O melhor deles...
Lacaille estava no Rio em 1751. Nas contas de nosso querido padre isto fechava o ciclo.
Ele nunca mais perguntou...
Adorei esta história!
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