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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ngc 4463 : Fotografando em RAW

         
          Eu já falei por aqui sobre dois diferentes tipos de piratas.  Um deles é o pirata cavalheiro. Este depois da necessárias grosserias iniciais termina por tomar chá com o capitão do navio pilhado.  Faz um levantamento detalhado do carregamento  que será tomado. Separa o joio do trigo e se demora as vezes dias nesta missão. Acredita na  Síndrome de Estocolmo (Stockholssyndromet em sueco) e trata os saqueados que nem a Patty Hearst.
            E existe um outro tipo. Mais para Atila , o Huno.  O que importa é a contagem de corpos, o saque e o incêndio. Eu , particularmente , me identifico mais com este tipo.
            Quando vou observar gosto de saquear o maior numero de DSO´s possíveis em uma única noite . Sendo viável  fotografa-los para levar como butim. Mas nada de centenas de exposições nem vários filtros. Uma vez  a vítima localizada uma uma rápida inspeção com diferentes oculares,tomar algumas notas e realizar algumas uma dezenas de exposições. Um alinhamento polar é bom. Mas se não estiver lá muito bom também não chega a ser o fim do mundo. O objetivo é obter um registro que permita a identificação da vitima . Mesmo que para isto seja necessária alguma forma de tortura. Importante frisar que o torturado sou eu mesmo. Pode ser necessária varias estripulias no pós processamento das fotos para que o finado tenha sua aparência não muito desfigurada. Assim com alguma pesquisa  (em casos extremos uma visita ao Astrometry.com) atrás de outras imagens do "navio" atacado na web  você identifica a vitima e leva seu butim...
            Desta forma o que pode ser bom para alguns pode ser um M... para outros.
            Sempre escutei que eu deveria realizar minhas capturas fotográficas em RAW.  Isto garantiria muito mais riqueza de detalhes, cores e possibilidades para minhas fotos.
            Os arquivos RAW são o equivalente digital do filme não revelado. Arquivos RAW não são imagens- são uma coleção de dados não comprimidos do sensor da câmera e informações sobre as configurações usadas no momento do disparo. Os arquivos em RAW permite que você tenha muito mais margem para corrigir erros de exposição no pós processamento. Em teoria os arquivos em RAW possibilitam controle total sobre as Imagens.
            Como eu desconfio de tudo que é bom demais achei que já era tempo de eu experimentar algumas fotos em RAW.
            Faria um "tour de force". Primeiro fotos durante o dia. Pegar a bicicleta e fazer algumas fotos no Arpoador. E depois , já a noite, realizar um saque em algum DSO desavisado que passa-se ao alcance dos canhões na Stonehenge dos Pobres (também conhecida como " O Observatório mais Urbano do Mundo).
            Uma vez com as imagens no cartão comecei a perceber que as coisas não seriam tão suaves quanto supunha o artigo da Digital Photographer...
            Como arquivos RAW são como a emulsão de um filme não revelado você deve se preparar para um monte de pós processamento. E vai também precisar de algum programa que possa lidar com arquivos RAW. Como possuo o Photoshop a opção obvia é o Adobe Camera Raw.
            Como cada fabricante possui um RAW " diferente" é necessário ( há outras formas...) converter o RAW nativo de sua câmera. Para tal eu já tive que baixar mais um programa. Adobe Digital Negative Converter.  Este vai  transformar meus arquivo .CR2  (RAW da Canon) em .DNG.
            Calma você continua trabalhando em RAW. DNG é um formato RAW gratuito. E assim "mais democrático". Fosse um software seria open code...
            Em geral arquivos em Raw são de 12 ou 14 bits o que significa eles tem 4.096 ou 16.384 níveis de brilho. Isto permite grande área de manobra para correções e edições. Arquivos JPEG são de 8 bits , o que faz com que tenham apenas 256 niveis de brilho.
            Outra dita vantagem dos arquivos em RAW sobre JPEG é a forma de se lidar com o Ruído. Os algoritmos de redução de ruido do Camera Raw é muito mais poderoso que o do firmware da câmera. Se bem aplicados eles vão superar a redução de ruido que já foi aplicada aos arquivos JPEG . Mas eu percebi um pequeno detalhe. Embora seja possível lidar bem com o ruido através do Camera Raw não é um trabalho trivial. E como o seu arquivo RAW possui muita informação os níveis de ruido podem ser bastante elevados especialmente utilizando ASA muito alta ( como é comum nas fotos astronômicas) .
            Uma vantagem do RAW que realmente me agradou é que este permite "bater o branco" depois do disparo. Isto é bastante útil para se fotografar em condições de iluminação variadas e/ ou artificiais. Nas fotos astronômicas ajuda muito a lidar com os efeitos da poluição luminosa que trás algumas dominantes cromáticas para o fundo do céu e que são sempre diferentes em cada local . Variam dia a dia aqui na Stonehege dos Pobres dependendo de qual porcaria acenderam nas obras do metro...


            Desta forma começa a " peregrinação dos meus frames " capturados em RAW.
A esquerda antes de visitar o Camera Raw. Infelizmente a compressão do Blogger não é fiel a riqueza de cores e detalhes obtidas no original... Nas fotos abaixo o processo é semelhante. As fotos da esquerda são uma cópia da captura como na Camera ( em RAW) e as a direita são o produto final depois do Camera Raw e do Photoshop, Para facilidades na web os arquivos finais são em JPEG . As fotos que mais gosto salvo em TIFF para meus arquivos.

          






                

           
Arpex...



      Primeiro começo com as capturas que fiz no Arpoador. Dia lindo e ensolarado. Definitivamente o potencial das fotos é enorme e os recursos possibilitados pelos arquivos e, RAW se fazem rapidamente notar. Mas também percebo que toda foto implica em uma boa quantidade de processamento e que eu vou ter que treinar bastante para dominar o camera Raw.  As fotos foram feitas com ASA 100 e 400.  Depois do Camera Raw você ainda dá  uma " envenenada" no Photoshop. O ruido é um conceito bastante presente nas fotos em Raw. É necessário ficar esperto para não confundir ele com a detalhe que você consegue extrair tanto das sombras como dos Highlights . E isto com ASAS baixas. Começo a pensar o que me aguarda com as fotos de Ngc 4463. ASA 6400.
            Vamos falar um pouco sobre o nosso saque desta noite ( e sobre astronomia...)  antes de retornamos ao tiroteio entre Raw, JPEG e outros codecs mais... ( este post é sobre fotografia still mas poderia ser sobre cinema. Neste samba se misturam filmes de Piratas, Bang -Bang,  épicos ( Atila , o Huno) , e Documentários...)
Ngc 4463 se apresenta aí claramente. Junto a Ocular de 25 mm você vai perceber inicialmente a dupla central. Com um exame mais atento notara a existência de outros membros. Sob a forte poluição luminosa as outras estrelas demoram a ser percebidas e demandam visão periférica. Esta foto é um crop do modo mean  do Rot n, Stack. Posteriormente foi trabalhado apenas com a ferramenta níveis de Photoshop. 
            Ngc 4463 é um obscuro aglomerado aberto na Constelação de Musca. Ele foi um "navio azarado". Eu tinha saído em caça de Ngc 4609 em Crux. Mas aqui no Nuncius Australis é sempre a "La Raul". Não sei para onde estou indo mas sei que vou no meu caminho. E assim este pequeno aglomerado galáctico com apenas 5´ de diâmetro acabou caindo nas minhas garras. Partindo-se de Acrux  ( Alpha do Cruzeiro) ele é bem próximo e não chega a ser difícil. Mas ele se disfarça bem. Em um desavisado olhar ele se passa por uma estrela dupla. Mas para bom entendor meia ... E ele se revela.






            Em um primeiro momento eu creditava ter localizado o meu destino oficial . Mas por obvias razões eu rapidamente percebi que não seria possível. Pelo Stellarium eu desconfio. E em uma rápida visita ao cartes du Ciel e já de posse de algumas fotos processadas eu identifico o DSO acima de qualquer duvida. Entre as Jóias da Coroa Austral ele seria algo como um pingente sem colar. Ou uma perola solta no fundo da caixa.
             O Saque continua conforme o habito e  observo com a ocular 25 mm. Onde ele é bem discreto. E depois com a 10 mm. Com esta sua natureza se revela de forma mais obvia e permite algumas analises . Não percebo  muita cor  e acredito ser um jovem e distante aglomerado.  Depois de visitar a pagina da WEBDA confirmo minhas suspeitas. As vezes eu acerto...
               Ngc 4463 tem cerca de 7,5 milhões de anos e localiza-se a 11 mil de anos luz de nós.
            Encontrei poucos papers a respeito da peça. E nenhum só dele. Tadinho. Um deles me pareceu interessante e associa o aglomerado a alguma nebulosas planetárias. Mas a fonte eu não digo e não conto.  Como um bônus de minha aventura em RAW creio ter localizado uma obscura Nebulosa Planetária e quase impossível de ser percebida ( Totalmente impossível a olho nu). Por uma daquelas coincidências que nada tem  a ver com as leis fundamentais do universo localizei uma foto que a apresentava. E fui buscar por aquele pequeno ponto estelar levemente enevoado. PK 200 2.1. Na melhor das fotos que consegui acho que a localizei. Com certeza esta no campo Mas tenho 3 suspeitos. E vou fazer que nem o governo prender todos. A foto que a revelou eu coloco no fim do post. Se alguém quiser tentar a sorte ... Não espere nada mais que uma tênue estrela. Para percebe-la como uma nebulosa planetária é necessário um telescópio grande e magnificações superiores a 400 X.   
            De volta a fotografia. Fiz 22 fotos com 13 segundos de exposição. A captura foi realizada em um pequeno intervalo que a casa estava vazia e assim o alinhamento polar deixou um pouco a desejar. Simplesmente coloquei o telescópio aonde eu achei que devia e fiz as fotos. Nem um chute foi dado no tripé...
            Escolhi uma que apresenta-se menor drift e depois de passar pelo DNG e o camera RAW salvei um arquivo JPEG ( o PS não salva arquivos em RAW ou DNG) para fazer uma visita ao Astrometry e garantir a identificação.
            Problemas . Os níveis de ruido e a péssima qualidade da captura levam a repetidos fracassos por parte do programa do site.
            Vai dar trabalho...
            Capturar imagens em RAW em astro fotografia pode ser bom para os puristas. Eu rapidamente percebi que com a quantidade de fotos envolvidas isto não serviria para minha paciência "Atiliniana". Pelo menos descubro que é possível tratar todos os arquivos no Camera RAW ao mesmo tempo. E assim ajustar o balanço de branco e outros bric-a-bracs  ( No caso só a exposição ) em lotes. Bem como nomear e salvar estes arquivos.
            O problema é que mesmo tendo brincado com o nível de ruido no Camera Raw estes continuam bem altos. Com longas exposições e ASA muito alta a coisa fica feia em RAW. E eu não tenho total dominio sobre os tais poderosos logaritmos do programa.
            Desta forma o Deep Sky Stacker começa o seu show e eu, já de saco cheio , prefiro utilizar o Rot n´Stack. Para isto preciso transformar todas as fotos de DNG em JPEG. 22 fotos... E depois passar todas estas no Noiseware... Aiiii!!! ( Na verdade o Rot n, Stack consegue alinhar todas elas sem este procedimento. E í você só precisa passar pelo Noise depois de alinhar as fotos. O Deep Sky é mais exigente.)
            Mas depois de empilhar as fotos e realizar a já tradicional peregrinação de frames pelo Rot n´Stack ( ou Deep Sky Satacker) , Noiseware (este me pareceu muito mais fundamental para a realização da operação quando trabalhando em RAW) ,Iris e Photoshop  consigo obter alguns resultados razoáveis.
 Depois foi só apresentar os resultados ao Astrometry e confirmar o que eu já sabia.
          











        Abaixo uma série de resultados obtidos através de diferentes caminhos. Os programas empregados em cada um dos resultados. Todos eles tem como ponto de inicio as imagens capturadas em RAW em uma Canon T3. O telescópio utilizado foi o Newton ( refletor newtoniano com distância focal1200mm / f8)


Um mal resultado para muito processamento. Depois de ter todos os 22 frames alinhados No Rot n, Stack escolhi o modo Sort ( o mais pirotécnico mas também o que captura mais detalhes) e retirei a vinheta e o gradiente ( enorme...) de fundo com o Iris. Posteriormente trabalhei os níveis , contraste e brilho no Photoshop CS5. Por fim Noiseware para reduzir o ruido...
Este é o modo minimo do Rot n´ Stack. Seu algoritmo reúne os pixels de menor intensidade encontrados nas fotos alinhadas. Ao contrario do que possa parecer isto tem suas qualidades. Como seu olho não é um sensor e nem possui pixels a imagens obtidas por este modo são sempre as que mais se aproximam do que você vê na ocular; e sem precisar de visão periférica. 
Desta vez o Modo Maximo do Rot n´Stack. Este reune os pixels mais brilhantes das fotos alinhadas. Eu fico imaginando que estou no capo e que a obra do metro acabou. Nesta foto ainda dei uma incrementada no contraste no Photoshop CS5.



Modo sort. Pirotecnia em ação. Mas as vezes ele revela alguma coisa que não seria possível sem tanta loucura. Me lembra sempre de Pollock...


                    
             Como eu disse no inicio do texto existem dois tipos de piratas  , provavelmente mais, e cada um age de uma forma. Da mesma forma existem diferentes astrofotografos. No meu caso capturar imagens em RAW pareceu-me uma péssima idéia. A necessidade de horas de pós processamento e o uso de diversos programas e rotinas não serve para mim. Mas compreendo quem as faz. Minhas pretensões fotográficas são modestas. Apenas um registro . De preferência semelhante ao que observo pela ocular. Realizando minhas astro fotos em JPEG eu consigo isto ( na verdade consigo mais que isto...) e economizo muito trabalho. Com relação a 4463 eu duvido que alguem perceba alguma diferença entre a captura em RAW ou JPEG. Um céu escuro e exposições mais longas serão a única coisa que poderá
revelar mais detalhes. Ou um telescópio mais poderoso. Ou do Deep Sky Stacker...

             
               Posteriormente consegui me entender melhor com o Camera Raw e melhorando o Ruido nos originais consegui que o Deep Sky Stacker se entende-se com o material; Este é definitivamente mais poderoso que o Rot n´ Stack. depois de algumas manobras e ajustes ele acabou aceitando os 22 frames e como é praxe gerou um arquivo Tiff de 32 bits e outro de 16 bits. Com a utilização de 5 dark frames fabricados as pressas o resultado foi surpreendente. E quase igual utilizando como matriz a captura em RAW como o material previamente convertido em JPEG. Abaixo o resultado antes e depois de um ajuste de Níveis no Photoshop CS 5. Levando em conta o material com tudo começou só me ocorre uma palavra. Milagre... A tecnologia ainda nos fará Deus ( tenho estado as voltas com Espinoza e muito filosófico nos últimos dias...)



     22 X 13 Segundos + 5 dark Frames . Alinhados no DSS.         
       
Novamente o ruido junto a parte mais brilhante da foto . Mas com resultado bem melhor que no périplo da foto do Rot n´Stack que passou pelo Noiseware, Iris , Photoshop e Camera Raw. E esta foto não foi ao Noiseware... . E nela creio ter localizado PK300 ( na de cima também). Na verdade o ruido nesta foto aumentou muito na compressão do Blogger. Ela é melhor ao vivo. Aqui eu prefiro a de cima.
   

         Quanto a fotografia do cotidiano o uso de RAW me agradou muito. As potencialidades de cor , brilho , efeitos e de edição em geral são enormes. Pretendo me aprimorar no uso do Camera Raw. Por enquanto creio que o firmware da camera que é aplicado aos arquivo JPEG é mais competente que eu pra lidar com o ruido das imagens digitais.

            Acho importante ainda frisar que certos DSO como nebulosas e galaxias devem se beneficiar mais da captura em Raw. Estas apresentam mais riqueza de cores e brilho que o discreto Ngc 4663. Este , especialmente, não apresenta características que justifiquem a trabalheira de se capturar em RAW.
            Acredito que "piratas' mais pacientes e dedicados podem se beneficiar enormemente dos recursos que a captura em RAW permite. Eu voltarei ao bom e velho JPEG. Uma outra razão de me apegar a este mal habito é poder trabalhar com arquivos bem menores e a facilidade de trafegar com este material pelo Blog. Em ultima instancia o material aqui apresentado é sempre em JPEG. E sempre terei os TIffs gerados pelo DSS em algum lugar...  

            E também continuo acreditando que binóculos 15X70 dispensam o uso de tripés...

            Astrofotografia é a maior diversão. 

          P.S. Mais diversão...  Para quem quiser brincar de jogo do erros segue a foto que indica PK3 300 2.1 .  Existe poucas imagens disponiveis na web de 4463. .  


Localizei esta foto em http://www.surastronomico.com/ mas ele não apresenta os créditos. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

A Galaxia de Espinosa

                                     
      O inverno não tem sido muito amigo da observação astronômica no Nuncius Australis.
                       Com a copa do mundo e eu  envolvido em um projeto publicitário bastante original e  minha cara metade as voltas com um grande evento para uma multi nacional a "Stonehenge dos Pobres" e as crianças ficaram um pouco largadinhas. Quanto as crianças tudo que me restou fazer foi mandar a mais velha para uma colônia de férias e o contratar uma segunda babá para o pequeno.
                               Com a derrota para a Alemanha meu projeto baixou de ritmo e acabou se encerrando alguns dias antes do previsto. Mas admito que me encontrava física e moralmente arrasado. E assim olhava para o "Newton" ( meu telescópio refletor) sem nenhum entusiasmo.
                               Sem copa , sem trabalho e sem nenhuma disposição para observação me encontrei meio que por acaso as voltas com o pensamento de Espinosa. Baruch ( Bento em português) Espinosa.  Não que tenha me disposto a estudar filosofia mas devido a um pequeno romance que mistura a misteriosa e quase ausente biografia do favorito de Einstein com  uma conspiração nazista. Lendo este romance ( O Enigma de Espinosa-Irvin D. Valom-Ed. Agir) achei uma outra curiosidade que me aproximou ainda mais deste grande pensador. Segundo o autor Bento escrevia inicialmente em português. Judeu de origem portuguesa acabou holandês devido a fúria da Inquisição na península ibérica.
                               Mas se ele escapou da inquisição não escapou da fúria religiosa de seus contemporâneos. Acabou excomungado pela comunidade Judaica de Amsterdã .
                               " Esta é precisamente a minha convicção. Tudo, e com isto estou me referindo a tudo mesmo, tem uma causa natural. Creio que, quanto mais pudermos conhecer, menos coisas haverá que só Deus conheça. Em outras palavras quanto maior for nossa ignorância, mais coisas atribuiremos a Deus."
                               Estas palavras foram colocadas na boca de Espinosa em um fictício dialogo por Irvin Valom. Mas substanciam bem a ideia por trás do tal Deus de Espinosa tão famoso devido as palavras de Einstein. Um Deus inteiramente equivalente a natureza , que inclui toda a substância e "que não joga dados com o universo" , um Deus que significa que tudo o que acontece , sem exceção, segue as leis imperturbáveis da natureza.   E palavras assim garantiram seu cherem (excomunhão).
                               A grande obra de Espinosa chama-se Ética e inicia-se com diversas definições. Diversos deles que são claramente astronômicos  ( o duplo sentido é proposital...).
                               I- Por causa de si compreendo aquilo cuja a essência envolve existência, ou seja, aquilo  cuja natureza não pode ser concebida senão como não existente.
                        Este conceito é de fundamental importância para que aceitemos o DSO que vou apresentar a seguir como algo que existe. E que é observável...
                        II- Diz-se finita em seu gênero aquela coisa que pode ser limitada por outra da mesma natureza. Por exemplo, diz-se que um corpo é finito porque sempre concebemos um outro maior. Da mesma maneira, um pensamento é limitado por outro pensamento. Mas um corpo não é limitado por um pensamento , nem um pensamento por um corpo.
                        Neste ele desmascara Depak Chopra e outros amigos 400 anos antes deles começarem a falar bobagens a respeito de medicina quântica...
                        III- Por substancia compreendo aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido teologicamente, isto é aquilo cujo o conceito  não exige o conceito de outra coisa do qual deve ser formado.
                        Aqui ele prepara o terreno para vácuo quântico e outra idéias bem a frente de seu tempo.
                        IV- Por atributo compreendo aquilo que de uma substância, o intelecto percebe como constituindo sua essência.
                        Percebam que tudo que apresenta substância , essência e atributos. O Intelecto não tem nada a ver com isto. E assim novamente desmascara muita besteira já dita em nome da física quântica.
                        V- Por Deus compreendo um ente absolutamente infinito , isto é, uma substância que consiste de infinitos atributos cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.
                        Um belo projeto de Universo no séc XVII.
                               Depois de apresentar as definições Bento Espinosa apresenta na próxima seção de seu "Ética" alguns axiomas. Só um interessa para nós neste momento.
                                I- Tudo que existe existe em si mesmo ou em outra coisa.
                               A Galaxia de Espinosa , mais conhecida como Galaxia Anã de Escultor  ou ainda MCG 06-03-015 é algo que apresenta substancia , essência e atributos. Logo ela existe. Quanto a observarmos esta discreta e tímida galaxia (ela também tem coisas em comum com a personalidade de Espinosa) é preciso talvez renegar a segunda definição de Espinosa é acreditar que um corpo pode ser limitado por um pensamento ou vice versa. Mas isto também não é problema de Espinosa.É culpa do projeto de visão humana.
                               Mas vamos ao que importa e deixando de lado a filosofia de meu tão estimado Bento vamos tratar dos aspectos astronômico do DSO que esta sob nosso escrutínio hoje. Parafraseando um cara lá do Caltech - a filosofia tem tanta importância para a astronomia quanto a ornitologia tem para os pássaros.
                        MCG 06-03-015 é um dos maiores desafios para o observador visual descrito por Phill Harrigton em seu Cosmic Challenge. Seu brilho de superfície é baixíssimo e sinceramente sua observação esta mais para impressão do que visão. Mas é um desafio enorme e por isto mesmo irrecusável.
                        Localizar a "Galaxia de Espinoza" é um tarefa difícil desde o começo. Primeiro localize a Sculptor . Como você não vai tentar ver este DSO de um local com poluição luminosa ( condição sinequanon para ter alguma chance)   a estrela de magnitude 4.3 não é seu maior problema. Dela busque por s Sculptor ao sul desta. apenas 2o . Com 6 magnitude percebe-la a olho nu sera um boa indicação de quão escuro é o céu sobre sua cabeça. E se você a perceber suas chances de perceber a galaxia aumentam bastante... Mais 2o  ao sul e cobrindo uma área maior que a lua cheia você deverá ( ou não) perceber uma leve alteração no gradiente de luz contra o fundo do céu. É só isto que você vai perceber por um telescópio de 150 ou 200 mm. mesmo com telescópios maiores não será muito mais do que isto... Ela se encontra entre duas estrelas de aproximadamente 8a  magnitude e levemente avermelhadas. Elas vão ajudar.
                        A Galaxia de Espinosa só foi "descoberta" em 1938 quando Harlow Shapley percebeu seu apagado brilho em placas fotográficas feitas  no Observatório Boyden  na Africa do Sul. Ao apresentar sua descoberta Shapley , acertadamente , disse " nada muito parecido é conhecido até agora. foi a primeira Galaxia esferoidal anã descoberta.  
                        Pensou-se durante algum tempo tratar-se de um Globular de baixíssima densidade porém estudos posteriores do movimento de suas estrelas individuais demonstraram a presença de muita massa escondida em algum ponto destes DSO´s. A grande quantidade de matéria escura a diferencia claramente de aglomerados globulares.
                        Localizada a 290.000 anos luz de nós pertence ao grupo local e apresenta uma quantidade de Carbono e outros elementos mais pesados semelhante a galaxia muito primitivas e bem mais distantes.

                        Já cacei pela Galaxia de Espinosa algumas vezes. A única que tive uma vaga suspeita de sua presença foi em uma excepcional noite de grande transparência na Serra entre Teresópolis e Friburgo. E ainda assim talvez contrariando a segunda definição apresentada por Bento Espinoza. Seria o pensamento suficiente para criar substancia e dar essência e atributo a este tímido DSO?